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Livro NEIT: Brasil: Indústria e desenvolvimento em um cenário de transformação do paradigma tecno-produtivo

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Antônio Carlos Diegues

Fernando Sarti

Como forma de contribuir para a compreensão das grandes transformações no paradigma tecno-produtivo e dos conseguintes impactos na reorganização dos nexos entre indústria e desenvolvimento para a economia brasileira, este livro organiza-se em três partes.

O caminho sugerido para esta compreensão inicia-se com um diagnóstico do movimento de fragilização da estrutura produtiva brasileira que se prolonga desde a crise do desenvolvimentismo até o período atual (parte 1). Em seguida, procura-se debater como as transformações na dinâmica concorrencial e de acumulação das atividades industriais em escala global condicionam as possibilidades de desenvolvimento da estrutura produtiva doméstica (parte 2). Como desdobramento do cenário analítico construído pelas duas partes iniciais, a parte 3 traz algumas reflexões acerca dos desafios à retomada de uma estratégia de desenvolvimento virtuosa. Para tal, sugere-se que esta se assente em políticas industriais capazes de responder aos desafios colocados pela necessidade de reconfiguração da dinâmica de acumulação produtiva nacional, pelo acirramento da concorrência intercapitalista, pela reafirmação do tecno-nacionalismo nas principais potências internacionais e pelos imperativos ecológicos.

A primeira parte do livro intitulada “Fragilização, Resiliência e Heterogeneidade da Indústria Brasileira” inicia com a discussão da fragilização do desenvolvimento produtivo e tecnológico da indústria brasileira tratada no capítulo “Internacionalização Produtiva, Competitividade e Desenvolvimento” de autoria de Fernando Sarti e Mariano Francisco Laplane. O trabalho analisou o processo de internacionalização produtiva brasileira nas últimas décadas, aprofundado depois da grande crise financeira global de 2008.

A discussão da ausência de mudanças estruturais, sobretudo através de maiores investimentos, para desenvolver setores mais dinâmicos com maiores níveis de produtividade e promover um crescimento sustentado com distribuição de renda é tratada no capítulo “Economia brasileira no período 2004-2013: crescimento, distribuição e produtividade do trabalho” de autoria de João Paulo Farias Fenelon, Carolina Troncoso Baltar e Rosângela Ballini. O trabalho analisa as diferentes contribuições dos componentes da demanda agregada e as assimetrias na geração de emprego, renda e produtividade em um raro período de crescimento da economia brasileira nas últimas décadas. A hipótese a ser comprovada no trabalho é que a expansão dos salários tem importância fundamental no crescimento da economia, entretanto se o desempenho setorial estiver baseado em atividades de baixa produtividade, esse fator limita a sustentação do crescimento elevado com redistribuição de renda.

A questão da precarização e informalização do mercado de trabalho em decorrência da perda de dinamismo da indústria e da recessão econômica é tratada no capítulo “Retração da indústria e deterioração do mercado de trabalho no Brasil: 2015-2019” de Carolina Troncoso Baltar e Mariano Francisco Laplane. O trabalho avalia a evolução da estrutura de emprego e de ocupação em um período de forte recessão e de modesta retomada da atividade econômica, em particular, da indústria. O trabalho ressalta o papel relevante da Indústria no mercado de trabalho menos em função do seu peso na estrutura de emprego e mais na sua contribuição para a estrutura ocupacional, com forte predomínio do emprego assalariado, principalmente formal.

A questão da heterogeneidade existente nas atividades econômicas e entre os grupos de estabelecimentos segundo o porte é tratada no capítulo “Evolução do emprego formal e do número de estabelecimentos por porte e setor no Brasil: uma avaliação da indústria no período 2002-2017” de Roberto Alexandre Zanchetta Borghi e Miguel Juan Bacic. O trabalho avalia os diferentes impactos dos períodos de expansão e de crise econômica sobre o número de estabelecimentos e o emprego formal, segundo o porte das empresas e os setores de atuação, corroborando o argumento da elevada heterogeneidade da estrutura produtiva brasileira. O trabalho analisa como a recessão afetou de forma mais acentuada a indústria de transformação e, também a construção civil. A expansão do emprego formal observada até 2014 e do número de estabelecimentos até 2015 foi fortemente revertida com a recessão econômica, mas os impactos foram bastante diferenciados entre os setores de atividade econômica e porte de empresa. O patamar de emprego formal retrocedeu em 2017 ao patamar de 2007. Já para o número total de estabelecimentos também se observou a tendência de perda de participação da indústria, embora de modo menos significativo.

A questão da relação entre o desenvolvimento industrial e tecnológico e a desigualdade de gênero é objeto do capítulo “Emprego Industrial e Desigualdade de Gênero (2003-2017)” de Clara Mendonça Saliba, Bruna Miyashiro Tápias e Ivette Raymunda Luna Huamani. O trabalho analisa as desigualdades de gênero na indústria de transformação paulista, a partir dos dados da RAIS para os anos de 2003 e 2017. O trabalho parte da hipótese que a participação feminina no mercado de trabalho é desigual e essa desigualdade é heterogênea entre os setores da economia. A desigualdade aumenta ainda mais nas áreas STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics), tradicionalmente masculinas. O trabalho aponta que a participação relativa feminina nas áreas STEM da indústria aumentou de 2003 para 2017, tanto em relação à participação masculina, quanto em relação ao total de mulheres na indústria. No entanto, quando analisada a participação das áreas STEM em todos os setores e não só os industriais, a participação feminina pouco se alterou e é muito reduzida. O trabalho conclui que o fenômeno da Indústria 4.0 deverá acentuar a desigualdade.

A segunda parte do livro intitulada “Condicionantes, Determinantes e Impactos das Mudanças na Estrutura Produtiva” se inicia com dois ensaios sobre as estratégias de concorrência e de acumulação da grande empresa. No capítulo “Notas Sobre as Mudanças nas Estratégias de Acumulação das Grandes Corporações” de autoria de Célio Hiratuka e Fernando Sarti, o objetivo é a discussão das mudanças nas estratégias de concorrência e de acumulação da grande corporação não financeira no contexto das transformações das estruturas globais de produção e comércio, das inovações tecnológicas, da crescente importância dos ativos intangíveis e do aprofundamento e difusão do regime de acumulação capitalista sob a dominância das finanças.

O debate do processo de consolidação e concentração nas estruturas de mercado provocado pelas operações de F&A de corporações, a partir da atuação mais ativa dos investidores institucionais é objeto do capítulo “Financeirização e estratégia das corporações não financeiras de países em desenvolvimento: notas a partir do caso brasileiro” de Camila Veneo Campos Fonseca e Célio Hiratuka. O trabalho contribui para o debate dos impactos da financeirização no âmbito corporativo e na estrutura de mercado. O trabalho traz a discussão sobre as características, determinantes e efeitos da atuação dos investidores institucionais em países em desenvolvimento, a partir da análise da experiência brasileira. Em particular, procura avaliar a crescente importância que os investidores institucionais, em especial os fundos de private equity, mas também as estratégias de capitalização em bolsa, tem sobre processo de Fusões e Aquisições (F&A), provocando mudanças relevantes na estrutura de mercados e no processo de concentração de setores importantes da economia.

O debate da captura do Estado e das políticas de desenvolvimento produtivo pelos interesses do grande capital brasileiro é objeto do capítulo “O grande capital brasileiro no ‘ensaio industrialista` do neodesenvolvimentismo de Marco Antonio Martins da Rocha. O trabalho discute como as diretrizes da política de desenvolvimento produtivo do período 2003 e 2016 foram condicionadas e definidas pela lógica de reestruturação do grande capital brasileiro, a partir das transformações na economia global nos anos 1990. Argumenta ainda que industrialismo do Neodesenvolvimentismo se moveu no sentido da consolidação das trajetórias definidas pelo grande capital na década de 1990, não constituindo um projeto para além dos problemas colocados na adequação do grande capital à crise do modelo desenvolvimentista e às transformações do capitalismo global.

A questão das estratégias financeirizadas de acumulação das empresas não financeiras e seu impacto sobre o investimento e as atividades inovativas é abordada no capítulo “Estratégia de Maximização do Valor do Acionista (MVA) e Impactos no Investimento e nas Atividades Inovativas: o caso da empresa Vale” de Fernando Sarti e Célio Hiratuka. O trabalho avalia os impactos da adoção da estratégia de maximização do valor do acionista (MVA) por parte das grandes corporações globais sobre os investimentos e as atividades inovativas. O estudo de caso da empresa Vale se deu em função da elevada lucratividade, da estrutura de propriedade concentrada em investidores institucionais e da adoção de uma política agressiva de distribuição de dividendos aos acionistas. Os resultados do trabalho apontam que a adoção da estratégia de MVA na Vale teve impactos negativos sobre os investimentos e os gastos em P&D. Em contrapartida contribuiu para valorizar o preço das ações da empresa e reforçar os ganhos dos acionistas e de seus executivos.

A discussão do desenvolvimento produtivo e tecnológico exitoso do setor aeronáutico brasileiro, sustentado por políticas ativas do Estado, na contramão das tendências observadas na maioria dos setores industriais é objeto do capítulo “Indústria aeronáutica brasileira: as especificidades de um modelo nacional de inserção global” de Marcos José Barbieri Ferreira. O trabalho avalia que a indústria aeronáutica brasileira se constitui em um caso singular de sucesso dentro da estrutura produtiva nacional, com destaque para a atuação da sua empresa líder Embraer.

A terceira e última parte do livro intitulada “Desafios e Oportunidades para a Re-industrialização” inicia-se com o capítulo de autoria de Antônio Carlos Diegues, que procura analisar as transformações na dinâmica de acumulação produtiva brasileira nos períodos que compreendem o ciclo de expansão dos governos Lula e a posterior desaceleração e reversão no período Dilma. Ao analisar as metamorfoses da dinâmica concorrencial da indústria brasileira no período, o capítulo sugere que esta teria se reorganizado a partir de um padrão de acumulação exitoso que lhe permitiu se libertar ainda que parcialmente das amarras da atividade produtiva. Esse êxito estaria associado à emergência de uma nova versão do industrialismo periférico, que limitaria a capacidade da contribuição da indústria ao desenvolvimento nacional mesmo nos ciclos de crescimento doméstico.

O capítulo seguinte trata do desenvolvimento industrial e tecnológico da China. Antônio Carlos Diegues e Célio Hiratuka procuram destacar a coevolução entre as transformações na estrutura produtiva chinesa, no aparato de políticas industriais e as diferentes fases da estratégia de desenvolvimento do país. Os autores mostram que as transformações nesta estratégia desde o último quartel do século XX não podem ser compreendidas como desdobramentos da emulação de um modelo típico do Estado Desenvolvimentista Asiático. Isso porque a suposta organização lógica de avanço produtivo em direção a atividades mais nobres e o conseguinte abandono de manufaturas de baixa e média intensidade tecnológica encontra limites para ser replicada na China.

No capítulo de autoria de Paulo Sérgio Fracalanza e Rosana Icassatti Corazza, os autores abordam o imperativo das adaptações dos sistemas socioeconômicos diante da mutação ambiental. O fazem a partir de um convite à reflexão sobre a necessidade “do reenquadramento da esfera econômica no âmbito dos sistemas sociais e, de forma ainda mais abrangente, dos sistemas naturais”. Assim, os autores apresentam um grande convite à reflexão sobre temas pervasivos às mais diversas áreas da Economia Industrial e da Tecnologia. Mais do que isso, sugerem o empreendimento de um esforço coletivo – mais que urgente segundo os mesmos – de reavaliação dos tradicionais nexos analíticos entre conceitos histórica e politicamente construídos a partir de um desideratum de busca pelo que se considera desenvolvimento no que denominam de paradigma fóssil-intensivo.

Como capítulo de encerramento do livro, Wilson Suzigan, Renato de Castro Garcia e Paulo Henrique Assis Feitosa, procuram analisar as instituições e os desafios da política industrial no Brasil. Tal esforço analítico tem por objetivo trazer contribuições ao debate recente acerca das causas “do baixo sucesso das tentativas de promoção do catch-up tecnológico e da mudança estrutural” nos países da América Latina. A avaliação dos autores é a de que os diversos trabalhos que tratam do tema – em um cenário de retomada da política industrial no mundo e na região – ainda apresentam lacunas principalmente no sentido de fundamentar quais seriam as direções das “futuras melhorias nas políticas”.

A partir deste esforço coletivo de reflexão dos pesquisadores do Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia do Instituto de Economia da Unicamp sobre as transformações no paradigma tecno-produtivo e os desdobramentos na relação entre indústria e desenvolvimento na economia brasileira, espera-se que este livro traga elementos que permitam contribuir de alguma maneira para a coevolução nesse início de segunda década do século XXI da agenda pesquisa em Economia Industrial e da Tecnologia e dos anseios da sociedade brasileira na busca da construção de uma nação mais próspera, soberana e justa.

Boa Leitura.