Eduardo Fagnani
A recessão iniciada pela irresponsável política de “austeridade” adotada a partir de 2015 (a mesma que elevou para 50% a taxa de desemprego dos jovens em diversos países da Europa) é funcional para o aprofundamento do projeto liberal no Brasil. As projeções dos agentes privados anteveem três anos consecutivos de contração da atividade econômica (3,7%, 3,5% e 0,5%, respectivamente, em 2015, 2016 e 2017)3.
Se nada for feito, a brutal queda da atividade econômica embutida nessas projeções elidirá continuamente as receitas governamentais e tornará sempre distante o objetivo do ajuste fiscal das contas primárias (não financeiras). Ao mesmo tempo, taxas de juros básicos sem paralelo na experiência internacional ampliam as despesas financeiras e impõem novos ciclos de cortes de despesas correntes e investimento para cobrir o crescente endividamento financeiro. Esta deterioração das contas públicas, fruto da recessão e da dominância financeira, passa a ser a senha para a implantação das chamadas “reformas estruturais” propostas pelo mercado, pois exige mais cortes na despesa não financeira para saldar uma pequena parte da despesa financeira. Esse interminável processo de “enxugamento de gelo” não deixa outra saída a não ser cumprir a exigência do mercado de impor cortes severos na estrutura de gastos governamentais.
É neste contexto que, hibernados por mais de uma década de crescimento econômico, os terroristas do mercado ressuscitaram, pois se abriu uma nova temporada de oportunidades para dar sequência a um processo iniciado há mais de duas décadas, de aprofundar o projeto liberal no Brasil. Voltam, novamente, a apontar suas bazucas para os direitos sociais consagrados pela Constituição de 1988. Construções ideológicas dirigidas ao senso comum sentenciam que as “despesas obrigatórias” nos gastos sociais assegurados pela Carta de 1988 são o principal desestabilizador do equilíbrio fiscal. Afirmam que sem a “revisão do pacto social da democratização” não haverá solução para a estabilidade da dívida pública. Em última instância, quando deliberam que “o País não cabe no PIB”, estão dizendo que as demandas sociais da democracia não cabem no orçamento.
É intrigante que tais guardiões da responsabilidade fiscal não escrevam uma linha sequer sobre a injustiça tributária, a sonegação de impostos, a estrutura de subsídios e as isenções concedidas ao setor privado. Também não abordam a questão financeira, principal desajuste da economia nacional. Além do SUS (acessível para mais de 70% da população), as transferências monetárias da Seguridade Social (previdência, assistência social e seguro-desemprego), um dos pilares da proteção social brasileira, consome cerca de 10% do PIB (apenas 1/3 desse montante é pago pela sociedade como um todo, por meio de impostos) e beneficia diretamente mais de 40 milhões de pessoas (indiretamente, mais de 120 milhões de pessoas).
Em contrapartida, em 2015 o Brasil pagará cerca de 9% do PIB com juros (ante 6,5% em 2014), o que beneficia algumas centenas de rentistas. A pergunta a ser feita é o que não cabe no PIB? A proteção social de 40 milhões de pessoas e a saúde de 150 milhões de brasileiros ou a preservação da riqueza de um seleto grupo de milionários? Por que não enfrentam esta questão? Conflito de interesses ou desonestidade intelectual?
* - Este artigo reflete a opinião pessoal do autor.