Fernando Nogueira da Costa[1]

O Ensino de Ciência Econômica, depois de sua depuração, ocorrida ao longo do século XX, afastou-se das Ciências Humanas e Sociais Afins. Foi uma vã tentativa de ganhar status científico com seu uso da linguagem matemática das Ciências Exatas. Separou-se em Microeconomia e Macroeconomia. A primeira trata das decisões dos agentes econômicos, a segunda, da resultante sistêmica dessas diversas decisões. Porém, hoje, necessita reconstituir-se e transitar da formação de profissionais especialistas para a de generalistas, retomando a metodologia interdisciplinar inicial.

Está sendo retomado o caráter multidisciplinar do conhecimento dos primórdios da Economia Política ao se empenhar em conhecer o comportamento humano na tomada de decisões econômicas de comprar, vender ou investir. Áreas distintas da Ciência estão somando esforços e recursos para estruturar a área de pesquisa destinada a cumprir essa tarefa: a Neuroeconomia.

Meu objetivo, na segunda vez que ofereci a disciplina Métodos de Análise Econômica, foi debater essa evolução científica. Queria que os alunos entendessem como as teorias econômicas ortodoxas se desdobraram a partir de uma metodologia abstrato-dedutiva. Sempre foram questionadas pela rival metodologia histórico-indutiva. Hoje, a fronteira dos economistas é o reconhecimento da complexidade interdisciplinar de seu objeto. Discuti com os estudantes o método didático propício a aprender tal complexidade, buscando o interesse desta geração nativa digital.

Analisamos os métodos de partição da realidade – O Todo – em alguns conceitos e teorias básicos, pela ordem, da Política, da Sociologia e da Psicologia. Conhecemos as metodologias das Ciências Afins à Ciência Econômica com a verificação da possibilidade de reincorporá-las (ou não), ao final, em uma análise multidisciplinar, macrossocial, sistêmica e estruturalmente complexa, com fundamentos em Psicologia Econômico-Comportamental, Sociologia Econômica e Darwinismo Econômico.

O filme The Fountainhead (no Brasil, “Vontade Indômita”), dirigido por King Vidor em 1949, tem roteiro de Ayn Rand. Ela adaptou seu livro homônimo de 1943, onde distingue o indivíduo criativo inovador do parasita conservador, em que pese ela ser conhecida como uma intelectual conservadora, talvez por seu radical individualismo metodológico.

Com essa abordagem pluralista, inclusive em termos ideológicos, partimos para a análise dos diversos métodos dos filósofos gregos – racionalistas e empiristas –, inspiração seminal, respectivamente, dos métodos abstrato-dedutivo e histórico-indutivo nos quais se divide a Filosofia da Ciência ocidental. Em seguida, analisamos o individualismo libertário, isto é, a ideia-chave para revoluções e conquistas sociais nos séculos XVII e XVIII.

Então politicamente progressista, o individualismo necessitava da Economia Política da Ordem Espontânea para lhe dar uma legitimidade racionalista. A ideia dos indivíduos autônomos é abarcada pela ideologia do liberalismo econômico, desde o princípio do “laissez-faire” ou da não-interferência governamental até o ultra liberalismo da Escola Austríaca, ressurgindo recentemente através do neoliberalismo. Essa é a formação doutrinária de economistas ortodoxos, cujo contraponto foi feito à formação doutrinária de economistas heterodoxos de esquerda.

O filme iraniano “A Separação”, dirigido por Asghar Farhadi, propiciou-nos a metáfora propícia para debater a separação entre a Micro e o Macro. A análise de qualquer fenômeno econômico, tradicionalmente, deveria apontar causas macroeconômicas e microeconômicas. A análise macroeconômica da crise deve salientar também seus fundamentos microeconômicos. A análise microeconômica não deve se esquecer da possibilidade da crise sistêmica, resultante da interação da pluralidade de decisões descentralizadas, descoordenadas e desinformadas umas das outras, constituindo risco não-diversificável em situação de bolhas de ativos.

As teorias de decisões financeiras pressupõem a racionalidade dos agentes econômicos mesmo dentro desse contexto de incerteza. Elas são questionadas pelas experiências laboratoriais das Finanças Comportamentais. Os psicólogos econômicos provam que há influências emocionais e erros sistemáticos nas decisões dos investidores. Embora reconhecendo que os comportamentos dos agentes podem ser irracionais, os economistas ortodoxos insistem na validade da interpretação do comportamento dos mercados através dos modelos racionalistas. No entanto, a realidade da crise sistêmica falseia todos esses modelos teóricos. Esboçamos, como contraponto, baseado em Economia Comportamental, três perfis de investidores no mercado de capitais: o homo economicus, o homo sapiens, e o homo pragmaticus.

Fizemos também uma releitura de alguns dos primeiros autores reconhecidos como economistas. Por terem se formado no debate filosófico, eles trataram tanto dos fenômenos sociais quanto dos comportamentos individuais. Poderiam também ser considerados psicólogos avant la lettre. O objetivo foi recuperar, sinteticamente, esse pensamento econômico multidisciplinar de Adam Smith, Jeremy Bentham, John Stuart Mill, Thorstein Veblen e John Hobson, que propicia a retomada do estudo da Economia da Felicidade.

As Finanças Comportamentais compõem uma Teoria das Decisões, portanto, ela é Micro; então, qual seria o Macro resultante dessa Economia Comportamental? Esse foi o desafio teórico a respeito do qual propus uma reflexão metodológica aos alunos, apresentando conhecimentos sobre Economia Comportamental, Institucionalista, Evolucionária e da Complexidade, emergente por interações dos componentes sistêmicos.

O filme “Hanna Arendt” nos propiciou debater essa interdisciplinaridade entre psicologia econômica, sociologia econômica, evolucionismo econômico, e econofísica. Filmes, vistos e discutidos com base em leituras prévias, representam o acúmulo da experiência humana realizado em Literatura, História, Filosofia, Psicologia, Antropologia, Sociologia, Política ou Economia. Eles ultrapassam as fronteiras dessas disciplinas, superando a repartição da realidade. Assim, atendem às reinvindicações do Manifesto Pós Autista: Carta Aberta dos Estudantes. Os estudantes brasileiros gostaram de conhecer o manifesto dos colegas franceses: eles não sabiam que eram felizes...

O filme “O Mercador de Veneza”, roteiro adaptado a partir de peça de William Shakespeare, propiciou a abordagem da economia normativa religiosa – “o que deveria ser” de acordo com o catolicismo anti-usura, o protestantismo ascético e as finanças islâmicas. Discutimos a louvação da poupança como panaceia condicionante do investimento e, consequentemente, do desenvolvimento econômico. Esse conceito de poupança seria referente ao capitalismo norte-americano de mercado de capitais, que os autores neoclássicos idealizaram. Em economia de endividamento bancário, deveria ser substituído pelo conceito de funding, adotado por economistas pós-keynesianos.

A partir desse ponto, pudemos debater o desenvolvimento do desenvolvimentismo no Brasil e, especialmente, na Escola de Campinas. Tratamos da evolução do Nacional-Desenvolvimentismo até o Social-Desenvolvimentismo, ultrapassando o autodenominado Novo Desenvolvimentismo.

Reflexões sobre a história do financiamento do desenvolvimento da economia brasileira propiciaram entender o ciclo social-desenvolvimentista com base em funding de origem trabalhista. As finanças dos trabalhadores, rentistas na fase de vida inativa, pois na aposentadoria terão que substituir a renda do trabalho pela renda do capital financeiro, foram vistas como componentes essenciais da experiência social-desenvolvimentista brasileira. Enfim, apresentei uma visão sistêmica sobre o papel do capital de origem trabalhista no Capitalismo de Estado Neocorporativista no Brasil.

Mas avançamos para novo método didático em outro oferecimento dessa disciplina. Apresento-o em outro post.

 

[1] Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Brasil dos Bancos” (2012) e “Bancos Públicos no Brasil” (2016). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.