Eduardo Barros Mariutti

O liberalismo, enquanto uma filosofia social e uma visão de mundo abrangente, é extremamente heterogêneo e maleável. É um grave equívoco – frequentemente cometido tanto por seus adversários quanto pelos seus adeptos - tentar abarcá-lo como um bloco coeso ou unitário. O mesmo podemos dizer sobre a sua démarche. São grosseiras todas as explicações que caracterizam o movimento do (s) liberalismo (s) como uma trajetória linear e bem definida. A imagem é sedutora: os pioneiros do liberalismo teriam lançado algumas sementes que, a despeito de alguns contratempos, começaram a germinar na grande revolução liberal que marcou o final do século XVIII e, depois de derrotar os totalitarismos do século XX, floresceram em 1989 e, a despeito de pequenas perturbações, desaguam no nosso presente imediato. Mas esta caricatura é insustentável. Seu movimento ao longo do tempo (e do espaço) foi bastante sinuoso e repleto de transformações significativas, tanto do ponto de vista de seus atributos “internos” quanto da sua relação com outras tradições do pensamento. No primeiro aspecto, a disposição, número e a natureza da polarização entre as suas diversas correntes variaram enormemente, em uma acirrada disputa sobre o significado, articulação e a definição da importância relativa dos diversos conceitos e aparatos discursivos que fazem parte do grande repertório liberal. Quanto ao segundo, as fronteiras estabelecidas com o conservadorismo e o socialismo, por exemplo, sempre foram muito porosas e cambiantes.

Este caráter dinâmico e multiforme, em parte, deriva da peculiaridade da formação do pensamento liberal: as suas diversas raízes germinaram no bojo da crise do Antigo Regime, com uma postura predominantemente negativa, isto é, moldada pela oposição ferrenha às instituições alegadamente tirânicas e obscurantistas do absolutismo. Em um certo sentido, todas as forças opostas ao despotismo (i.é.: o que hoje chamamos de socialistas, anarquistas e liberais) se perfilaram no mesmo campo, aglutinadas pela percepção de uma ameaça comum, olhando a questão da perspectiva dos súditos e em favor da transformação da “velha” sociedade. Parasimplificar: a polarização inicial se deu inicialmente entre os partidários das mudanças – o progresso, essencialmente – e os defensores do status quo ou, em uma linha mais sofisticada, da regeneração das instituições tradicionais. O conjunto de forças ditas progressistas era muito heterogêneo e sua unidade bastante precária, mas forte o suficiente para delimitar alguns contornos básicos, que foram assimilados – de diversas formas e intensidades - por todas as vertentes liberais: a necessidade de limitar o poder e reduzir ao máximo a sua discricionariedade, a defesa de alguns direitos individuais (embrião da cada vez mais controversa noção de cidadania, que desafiava o poder do Rei1 e da Nobreza), combater privilégios (particularmente os hereditários) e, o que representa a grande marca do liberalismo, a luta pela “liberdade”.

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