O Instituto de Economia da Unicamp encontra-se às vésperas de completar 50 anos. Desde a sua criação, em 1968, consolidou seu modelo de ensino de graduação e de pós-graduação integrado à pesquisa e à extensão e hoje é uma das principais referências no debate econômico nacional e uma das mais importantes e influentes escolas de economia do Brasil. Nos últimos dois anos, o IE recebeu várias importantes premiações pelos trabalhos desenvolvidos por seus professores e estudantes e distinções de mérito pela excelência do conjunto de suas contribuições acadêmicas e pelo prestígio de seu curso de graduação. Nesta breve entrevista, ouvimos Paulo Sérgio Fracalanza, diretor da instituição, que nos contou sobre os pilares da formação dos estudantes, sobre a composição diversa do corpo docente do IE e de suas linhas de pesquisa, sobre o perfil do economista aqui formado e sobre a memória e as disposições para o futuro que ajudam a compreender porque o Instituto de Economia é reconhecido no Brasil e no mundo afora como a Escola de desenvolvimento no Brasil.

Davi Carvalho: Nos últimos anos, o Instituto de Economia (IE) tem recebido vários prêmios em reconhecimento de suas contribuições acadêmicas e de sua excelência no ensino e alcançado excelentes resultados em índices oficiais e nos rankings universitários. A que você credita esse desempenho?

Paulo Fracalanza: Creio que há um fator importante que explica por que o Instituto de Economia da Unicamp tem tamanho destaque: temos uma maneira de formar economistas, um olhar para os fenômenos econômicos e uma dimensão do trabalho intelectual e de pesquisa que são absolutamente singulares. Não apenas na perspectiva do país. Somos vistos como uma instituição bastante original dentro do panorama das Ciências Econômicas, também no mundo.

No que consiste essa singularidade, esse olhar para os fenômenos econômicos?

PSF: Creio que se desejamos compreender como podemos desenvolver este País é preciso primeiramente estudar como se deu o processo de formação econômica do Brasil. E para tanto, é preciso entender este processo de formação e transformação no contexto da gênese e das metamorfoses do capitalismo. Isso aponta para a necessidade de entender as várias revoluções pelas quais passou o capitalismo, as profundas modificações dentro dos países centrais e nas periferias do sistema. A compreensão destes movimentos permite aquilatar nossa articulação ao sistema mundial, se mais ou menos subordinada, os problemas crônicos de nossa condição de subdesenvolvimento e de nosso passado colonial e escravista, os caminhos que trilhamos e as oportunidades que se abrem para a transformação e, quiçá, o abandono da condição de subdesenvolvimento.
A dimensão histórica é marcante na formação dos economistas nessa Casa. Por isso, justifica-se o grande conjunto de disciplinas, para além daquelas do campo da História, que enveredam por uma leitura histórica dos processos de internacionalização, de industrialização, de desenvolvimento regional, de formação do mercado de trabalho, da construção de políticas públicas, de organização social e assim por diante.
Outra dimensão importante é olhar para os grandes intérpretes do capitalismo a partir de uma perspectiva da Economia Política. Com iniciais maiúsculas. Os grandes intérpretes e os autores da Economia Política que poderiam nos ajudar a entender este caráter instável do capitalismo, de ampliação das desigualdades, não apenas dentro dos países, mas entre países, e da tendência de um progresso material constante e de uma repartição desigual dos frutos desse progresso. Essa leitura é preservada aqui e, infelizmente, em muitas escolas de ciências econômicas, em vários lugares do mundo, já não há espaço para a leitura de Marx, de Keynes, de Schumpeter... já não são lidos esses autores e seus ensinamentos são esquecidos.
Portanto, a forma que aqui definimos os contornos da Ciência Econômica, a maneira pela qual organizamos a nossa perspectiva para a compreensão dos fenômenos econômicos e a definição de quais são as intervenções desejáveis sobre a realidade é distinta dos demais centros. E isso se deve a uma origem histórica particular, a uma configuração bastante peculiar do Instituto: o momento da sua fundação e dos intelectuais que criaram esta instituição.

Este é um aspecto importante: o momento histórico da fundação do Instituto de Economia.

PSF: Sim, exatamente. O DEPE (Departamento de Economia e Planejamento Econômico), embrião do IE, foi criado em plena ditadura militar e Zeferino Vaz, o fundador da Unicamp, soube reconhecer que muitos dos melhores talentos que deveriam ser reunidos para a construção de um pensamento de vanguarda - que abordasse os problemas crônicos do atraso de nosso país - encontravam-se exilados, ou sob a ameaça das forças repressivas. A Unicamp representou um espaço para o florescimento de uma nova perspectiva, de um novo olhar, sobre as raízes do subdesenvolvimento brasileiro e das possibilidades de sua superação.

Com o acesso a todo esse conhecimento articulado, qual o perfil do economista formado pelo IE?

PSF: Os economistas que nós formamos desempenham papéis importantes no setor privado e no setor público: ocupam posições destacadas nas empresas privadas, consultorias e no sistema financeiro e são aprovados em concursos importantes na administração e na gestão pública, nas Universidades e em prestigiosas Instituições de Pesquisa. Nos congressos de nossa área é patente a dimensão do que denominamos nucleação, ou seja, de nosso alcance na formação de parte expressiva dos quadros docentes das Universidades Federais e Estaduais.
E no debate público a nossa intervenção é muito qualificada e muito interessante para a compreensão dos problemas que vivemos. Estamos presentes em todos os debates. Não nos omitimos de pauta alguma. Vai ter um debate sobre desigualdade, sobre a reforma da previdência, trabalhista, fiscal, sobre os rumos da política econômica ou sobre os antecedentes da crise? Nós estamos lá...

As crises são cada vez mais complexas e exigem pessoas qualificadas com compreensão abrangente sobre os problemas do mundo. O IE forma esse profissional? É disso que você fala?

PSF: Sim. A única forma da economia prover um conjunto de respostas que permitam a transformação verdadeira da realidade econômica e social é olhar os fenômenos para os quais a gente se dedica numa perspectiva não apenas disciplinar. O conjunto de fenômenos que nós estamos observando não se circunscreve a uma determinada disciplina. Essa separação das esferas que foi se organizando é indevida. A economia surgiu como uma ciência moral. A integração entre economia e política é inevitável na configuração de qualquer sistema social e, indubitavelmente, no capitalismo. Estão profundamente conectadas. Então, essa perspectiva que entende a economia como uma ciência social dentro do conjunto das humanidades, para além das fronteiras impostas pelo caráter disciplinar, é a única possível para a superação dos problemas econômicos.
E tem outra questão de valor fundamental: qual é a finalidade do econômico? Essa finalidade não deve se confundir com a máxima dos economistas que dizem: “escolher os meios mais eficazes para atender necessidades humanas ilimitadas, num ambiente de recursos escassos”. Não é este o problema econômico. O problema econômico é como prover condições de subsistência para a humanidade que não pode sobreviver sem um meio material que lhe sustente e como, na verdade, encaminhar a economia para a superação do problema econômico. Ou seja, para um horizonte que permita entregar a todos os sujeitos a possibilidade de viverem uma vida autônoma e plena. É isso. A direção é a de construir um projeto, uma alternativa para um desenvolvimento que seja ao mesmo tempo mais durável, mais sustentável, mais justo e mais pleno. Esta é também uma questão de fundo, pois grande parte dos economistas já não mais se interrogam sobre o objetivo da economia...

Para alguns grupos de pensadores da economia, parece que isso não importa, é apenas acessório...

PSF: Pois é! Porém, é apenas isso que importa, o restante é secundário na escala de valores. Ou ficaremos escravos de um exercício estético, completamente desvinculados dos problemas concretos. Afinal, como se cria um ambiente possível para a emancipação da humanidade? Os autores da Economia Política são importantes porque sinalizam de forma clara esta direção. O olhar deles se dirige para uma possibilidade de superação destes problemas; para uma sociedade futura que possa permitir a emancipação.

Como isso se reflete no ensino de graduação no IE?

PSF: Nossos currículos são muito exigentes. O estudante tem acesso a uma formação muito densa e plural. O estudante é guiado por um conjunto de disciplinas que enveredam pela dimensão histórica: da formação econômica do Brasil, do capitalismo, da história econômica geral. A cadeia de disciplinas teóricas é vasta e plural, porque entendemos que um economista deve compreender as várias formulações e visões de mundo, nos vários campos do saber econômico. Além disso, a formação na vasta área das quantitativas, matemáticas, estatística e econometria é sólida, para capacitá-lo a lidar com os fenômenos econômicos. Mas vamos mais além, pois valorizamos um diálogo constante com outras ciências humanas. Com isso, nossos alunos tem uma formação muito completa que os capacitam tanto para ir para a pós-graduação, para prestar a prova da Anpec, para as instituições financeiras, empresas e consultorias. Outros tantos buscam a carreira nos concursos públicos, na gestão pública. Nossos estudantes têm um vasto campo de trabalho pela frente.

Qual a importância para a instituição contar com um corpo docente plural e heterogêneo como o existente no IE?

PSF: Quando falamos de um pensamento da Casa não significa dizer que todos pensam da mesma forma. E há diversas disposições aqui dentro, de olhares. O importante é, a partir dessas visões díspares e diferenciadas, articular, sempre que possível, diferentes professores e diferentes olhares para pensarmos juntos sobre os variados problemas. Essa disposição é uma singularidade desta Casa, em função da sua estrutura, que não é departamental, mas de linhas de pesquisa que, integradas a partir dos centros e núcleos, permitem realmente uma resposta integradora.
Por isso, a pesquisa aqui é menos fragmentada e muito mais colaborativa, uma pesquisa coletiva. Apesar das pressões para uma pesquisa cada vez mais de natureza individual, num ambiente cada vez mais competitivo que se instala em nossas universidades, a nossa resposta é organizar e integrar as disposições no sentido de atuarmos juntos para contribuir com a construção de um pensamento de vanguarda.

Voltando ao início da conversa, o Instituto de Economia guarda uma identificação com suas origens. Que identidade é esta tão forte que se estabelece entre o passado, o presente e o futuro?

PSF: Quando o IE foi criado, a problemática era muito clara: enfrentar a situação do subdesenvolvimento crônico, das armadilhas da pobreza, dessa condição terrível de desigualdade.
E como se enfrentam estes problemas? Aí é que vem a genialidade do convívio destes intelectuais fundadores que sempre trabalharam sinergicamente, que sempre trabalharam cooperativamente e entenderam que a única disposição possível para enfrentar este problema era uma disposição conjunta, um diálogo constante, o debate acadêmico, por vezes áspero, mas no sentido de um aprimoramento coletivo.
Creio, sem medo de errar, que nossa disposição continua a mesma. As profundas transformações recentes em nosso País e no mundo, as imensas tensões que se acumulam, os efeitos brutais das crises, as persistentes desigualdades, os alarmantes problemas ambientais, as revoluções tecnológicas incessantes e as inseguranças no mundo do trabalho, exigem, mais do que nunca, um olhar totalizante, que não admite fronteiras, que se abasteça com o ensinamento dos grandes mestres, que esteja permanentemente atualizado, que descortine novos horizontes e que permita reinstaurar as utopias. E esse esforço, em toda sua diversidade, deve ser integrado e cooperativo. Nossa força e nossa identidade, creio, residem nisto.