Ademar Ribeiro Romeiro
Desde a Revolução do Neolítico (a invenção da agricultura), as diversas civilizações que surgiram experimentaram um processo de crescimento econômico que permitiu que se consolidassem como tais. A partir de certo ponto, entretanto, o crescimento econômico se estanca. Os surtos de inovações que permitiram esta consolidação desaparecem por falta de estímulos e/ou devido a esforços deliberados de evitá-las uma vez que elas passam a perturbar a ordem estabelecida. Aqueles que se beneficiam do status quo, sobretudo, passam a reagir a mudanças vistas como ameaças. É importante notar, entretanto, que as forças reacionárias não resultam apenas dos interesses velados daqueles que usufruem de uma posição privilegiada em uma dada ordem política, mas também da maior parte da população que vê um valor intrínseco nas instituições e costumes que lhe dão legitimidade. Trata-se de preservar o que é considerado como o modo de viver – de trabalhar, de fazer negócios, de comer, de rezar... – consagrado pela tradição. Nesse sentido, em todas as civilizações o processo evolucionário que as consolidou como tais progressivamente cede lugar a uma dinâmica de reações a todo tipo de mudança, o que as transforma em Civilizações Reacionárias.
O crescimento econômico acaba por cessar porque é subversivo dado que sua continuidade depende da introdução contínua de inovações que impactam todas as esferas de atividade da sociedade1. Como observa Lopez (1976, pos.67), tendo em vista o caso do Império Romano, “o crescimento econômico...é perturbador e tende a perder seu apelo uma vez que um equilíbrio satisfatório é atingido...Cada um dos grandes impérios que floresceram antes de Roma, cedo ou tarde, cresceram até um ponto considerado confortável e procuraram não ir adiante. Similarmente, nos últimos dois séculos antes de Cristo, a Roma republicana tinha atingido junto com sua forte expansão militar um nível semelhante de aventura empreendedora e comercial; mas as convulsões políticas que acompanharam este crescimento amedrontaram os aristocratas fundiários que detinham originalmente o poder e que acabaram vencendo. Augustus restaurou a paz e dedicou o Império à tranquilidade agrícola e à busca do meio Desde a Revolução do Neolítico (a invenção da agricultura), as diversas civilizações que surgiram experimentaram um processo de crescimento econômico que permitiu que se consolidassem como tais. A partir de certo ponto, entretanto, o crescimento econômico se estanca. Os surtos de inovações que permitiram esta consolidação desaparecem por falta de estímulos e/ou devido a esforços deliberados de evitá-las uma vez que elas passam a perturbar a ordem estabelecida. Aqueles que se beneficiam do status quo, sobretudo, passam a reagir a mudanças vistas como ameaças. É importante notar, entretanto, que as forças reacionárias não resultam apenas dos interesses velados daqueles que usufruem de uma posição privilegiada em uma dada ordem política, mas também da maior parte da população que vê um valor intrínseco nas instituições e costumes que lhe dão legitimidade. Trata-se de preservar o que é considerado como o modo de viver – de trabalhar, de fazer negócios, de comer, de rezar... – consagrado pela tradição. Nesse sentido, em todas as civilizações o processo evolucionário que as consolidou como tais progressivamente cede lugar a uma dinâmica de reações a todo tipo de mudança, o que as transforma em Civilizações Reacionárias.
O crescimento econômico acaba por cessar porque é subversivo dado que sua continuidade depende da introdução contínua de inovações que impactam todas as esferas de atividade da sociedade1. Como observa Lopez (1976, pos.67), tendo em vista o caso do Império Romano, “o crescimento econômico...é perturbador e tende a perder seu apelo uma vez que um equilíbrio satisfatório é atingido...Cada um dos grandes impérios que floresceram antes de Roma, cedo ou tarde, cresceram até um ponto considerado confortável e procuraram não ir adiante. Similarmente, nos últimos dois séculos antes de Cristo, a Roma republicana tinha atingido junto com sua forte expansão militar um nível semelhante de aventura empreendedora e comercial; mas as convulsões políticas que acompanharam este crescimento amedrontaram os aristocratas fundiários que detinham originalmente o poder e que acabaram vencendo. Augustus restaurou a paz e dedicou o Império à tranquilidade agrícola e à busca do meio termo dourado, ‘aurea mediocritas’. A cada cidadão foi garantido o sentimento de segurança e de estar bem ajustado ao padrão de vida ao qual sua posição social dava direito, sendo desencorajado a buscar mais. Estabilidade, não oportunidade, era considerado o objetivo mais desejável”.
Nesse sentido, o crescimento econômico sustentado por longo período de tempo somente é possível em sociedades cultural e politicamente abertas a inovações, o que pressupõe também condições muito específicas de evolução da ordem política e/ou social2. É condição necessária que a evolução da ordem político/social seja tal que permita que a inventividade da população resulte em aplicações inovadoras. Para tanto é preciso que os detentores do poder não sejam capazes de impedir a difusão de invenções. Inventividade e criatividade tecnológica têm que andar juntas. É possível uma sociedade ser muito inventiva, mas relativamente pouco inovadora. Foi o caso da China. Por outro lado, é possível uma sociedade ser desproporcionalmente mais inovadora do que inventiva. Foi o caso da Europa, onde invenções provenientes de outras civilizações, principalmente da China, se transformaram em inovações de grande impacto socioeconômico.
Na Europa Ocidental fatores político/culturais específicos vão fazer com que o processo civilizatório que começa a partir do fim do Império Romano tome um rumo distinto daquele das demais civilizações. As inevitáveis forças reacionárias aí serão bem sucedida e permanentemente confrontadas pelas forças de mudança. A introdução cada vez mais sistemática de inovações em todos os campos – culturais, institucionais, organizacionais e tecnológicas – distinguiramna como uma Civilização Mutante (Braudel, F., 1979). A Revolução Industrial aí ocorreu não por acaso. Ela foi o resultado de um processo evolucionário impulsionado pela introdução de inovações que começa na alta Idade Média e que se acelera fortemente no século XVIII. Capitalismo, Revolução Industrial e modernidade foram fenômenos europeus, frutos de um amalgama peculiar de fatores político/culturais que pela primeira vez permitiu o rompimento de um “teto invisível” que até então havia bloqueado a continuidade do processo de crescimento econômico em todas as civilizações.
De modo geral os autores que estudaram esse processo histórico com tal perspectiva – qual seja, a de um processo evolucionário peculiarmente europeu – foram chamados de “eurocêntricos” em um sentido negativo, seja porque atribuiriam à Europa qualidades excepcionais que justificariam considera-la como superior a todas as demais; e/ou porque ignorariam as contribuições de outras civilizações; e/ou ainda porque não levariam em conta o papel da exploração colonial. No entanto, o “eurocentrismo” da narrativa que será apresentada aqui não tem nenhuma conotação de valor, mas apenas resulta da análise de fatos históricos. A peculiaridade europeia foi fruto de um amalgama aleatório único de fatores geopolíticos e culturais. Não tivesse esse amalgama ocorrido a Revolução Industrial poderia ter sido postergada por séculos.
A narrativa foi dividida em duas partes: a primeira, cobrindo basicamente o período que foi chamado de “Idade Média”, procura mostrar como se forma a primeira “civilização mutante” da história, cujo legado contribuiu decisivamente para a definição de uma trajetória cultural e político/institucional condutora da Revolução Industrial; a segunda parte se estende do fim da Idade Média até a Revolução Industrial no século XVIII, a partir da qual o mundo inteiro estaria fadado a entrar num processo de mudanças continuas impulsionado pela introdução incessante de inovações culturais, institucionais, organizacionais e tecnológicas. A civilização mutante europeia se torna uma civilização mutante mundial.
Baixe aqui o Texto Para Discussão 312.
* - Este artigo reflete a opinião pessoal do autor.