Daniela M. Prates, Giuliano C. Oliveira, Adriana N. Ferreira e Carolina T. Baltar | Instututo de Economia da Unicamp

Desde seu lançamento em 1992, a revista Economia e Sociedade do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/Unicamp) tem divulgado e contribuído para o desenvolvimento da reflexão crítica nos campos da economia e da história econômica, acolhendo a produção heterodoxa inspirada pelas tradições de Marx, Keynes, Kalecki e Schumpeter, bem como pela reflexão latino-americana sobre o desenvolvimento econômico. Como parte de seu esforço de promoção da reflexão crítica, nos seus 25 ANOS DE VIDA completados em 2017, a revista publicou 61 números regulares e dois especiais: o primeiro, em dezembro de 2008, por ocasião do Primeiro Encontro da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), realizado no IE/Unicamp; o segundo, em dezembro de 2012, quando a revista completou 20 anos, que versou sobre o tema “Desenvolvimento e desenvolvimentismo(s) no Brasil”.

Este terceiro número especial da revista Economia e Sociedade foi concebido a partir da realização do Seminário Internacional “Financeirização e Dinâmica do Capitalismo Contemporâneo”, realizado no IE/Unicamp em novembro de 2016 e que buscou, a um só tempo, aprofundar a discussão sobre esse importante fenômeno do capitalismo moderno, de um lado, e homenagear o Professor Titular do IE/Unicamp José Carlos Braga pelas suas contribuições originais e profícuas a respeito do tema, de outro.

O Seminário Internacional foi organizado pelo Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (Ceri), sob a direção do Prof. Giuliano Contento de Oliveira, e contou com o auxílio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e com o imprescindível apoio da direção do IE/Unicamp, representada pelos Profs. Drs. Paulo Sérgio Fracalanza (Diretor) e André Martins Biancarelli (Diretor-adjunto).

Participaram do evento, na condição de palestrantes, além do Professor homenageado, José Carlos Braga, os professores Jan Kregel (Levy Economics Institute of Bard College), Robert Guttmann (Hosfra University e Paris XIII), Arturo Huerta (Universidad Nacional Autónoma de México), Luciano Coutinho (IE/Unicamp), Wilson Cano (IE/Unicamp), Laura Tavares (UFRJ), Frederico Mazzucchelli (IE/Unicamp) e Giuliano Contento de Oliveira (IE/Unicamp).

A contribuição do Prof. José Carlos Braga para a compreensão do capitalismo moderno a partir do conceito de financeirização tem sido fundamental, uma vez que permite conceber a financeirização como um padrão sistêmico de riqueza, constituindo uma nova forma de gerir, definir e realizar a riqueza no capitalismo contemporâneo. Essa construção teve início no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, tendo contado com o ambiente intelectual altamente fértil do IE/Unicamp e com o auxílio de seus grandes interlocutores e mestres, com destaque à Profa. Dra. Maria da Conceição Tavares e ao Prof. Dr. Luiz Gonzaga Belluzzo.

Os esforços do Prof. Braga, como é conhecido no IE/Unicamp, culminaram com sua tese de doutorado defendida em 1985, intitulada “Temporalidade da riqueza – Uma contribuição à teoria da dinâmica capitalista”3, e, alguns anos mais tarde, em 1993, com a publicação do artigo “A financeirização da riqueza: a macroestrutura financeira e a nova dinâmica dos capitalismos centrais”, no número 2 desta revista.

O Prof. José Carlos Braga, dessa maneira, foi pioneiro no entendimento organizado e adensado da noção de “dominância financeira do capitalismo”, sintetizada a partir da expressão “financeirização da riqueza”, tendo estudado esse fenômeno a partir de uma abordagem lógico-histórica, na tradição de Economia Política da ‘Escola de Campinas’. Para tanto, contou com as obras de autores consagrados no campo da economia política, destacadamente Marx, Keynes, Kalecki, Hilferding, Hobson, Steindl e Schumpeter, além, evidentemente, das contribuições dos seus mestres.

A importância das contribuições do Prof. José Carlos Braga pode ser atestada pelas inúmeras referências realizadas a seus trabalhos por autores que procuraram estudar o tema ou fazer uso da noção de financeirização como padrão sistêmico de riqueza, bem como pelo reconhecimento de diversos de seus pares em relação aos seus trabalhos sobre o assunto. Não por outra razão, Coutinho e Belluzzo (1998) e Belluzzo (1997) fizeram questão de reconhecer explicitamente o pioneirismo e a relevância das contribuições do Prof. Braga. Nos termos do Prof. Belluzzo (1997, p. 191):

[...] a lógica de valorização patrimonial vai se apoderando de todas as esferas da economia [...] Não se trata apenas de que o cálculo do valor presente do investimento produtivo seja afetado pelo estado de preferência pela liquidez nos mercados financeiros [...] mas sim que a acumulação produtiva vem sendo ‘financeirizada’ como, aliás, o professor José Carlos Braga vem tentando explicar em seus trabalhos pioneiros.

Em síntese, o Prof. Braga procurou mostrar, ao longo de sua brilhante investigação sobre esse tema altamente complexo, também porque multifacetado e multidisciplinar, que a financeirização constitui um modo de ser do capitalismo moderno, não configurando uma deformação desse sistema. Nesta perspectiva, a financeirização não conduz o capitalismo a um estado estacionário, mas concorre, sim, no sentido de exacerbar suas tensões intrínsecas entre expansão e crise, complexificando ainda mais as relações entre Estados e Mercados. Além disso, porém não menos importante, na medida em que esse padrão de riqueza se tornou sistêmico, no sentido de envolver todos os atores relevantes das economias - orientados pela lógica de um cálculo financeiro geral, o que inclui operações com ativos financeiros e não-financeiros -, a noção de financeirização como dominação do setor financeiro sobre os demais setores da economia torna-se inapropriada, em razão da crescente e permanente fusão das formas parciais de capital, como indicado por Hilferding (1910) e muito competentemente recuperado por Braga (1985; 1993; 1997; 2000) para o desenvolvimento do conceito de financeirização como padrão sistêmico de riqueza do capitalismo moderno. Braga (1997, p. 196, p. 237 e p. 239) sintetizou de forma esclarecedora essa noção do seguinte modo:

Trata-se de um padrão sistêmico porque a financeirização está constituída por componentes fundamentais da organização capitalista, entrelaçados de maneira a estabelecer uma dinâmica estrutural segundo princípios de uma lógica financeira geral. Neste sentido, ela não decorre apenas da práxis de segmentos ou setores - o capital bancário, os rentistas tradicionais - mas, ao contrário, tem marcado as estratégias de todos os agentes privados relevantes, condicionado a operação das finanças e dispêndios públicos, modificado a dinâmica macroeconômica. Enfim, tem sido intrínseca ao sistema tal como ele está atualmente configurado.

[...] O fato [...] de que o dinheiro, tendencialmente, faça cada vez mais o caminho das finanças e não o caminho da produção, é resultado do movimento geral do capital, enquanto realização de seu conceito e das decisões competitivas e concretas dos agentes. No padrão sistêmico de riqueza que estamos analisando, a financeirização exacerba este movimento e lhe dá relativa permanência histórica, concreta, sustentada num engajamento complexo entre Estado e Mercado.

Por fim, cabe registrar que, sobretudo a partir dos anos 2000, houve um aumento significativo de publicações indexadas com o uso do termo “financeirização”, em diferentes sentidos. Não seria um excesso afirmar que as diferentes acepções acerca desse fenômeno, do ponto de vista conceitual, concorreram, muitas vezes, mais para dificultar do que para esclarecer seus aspectos fundamentais. Os artigos publicados neste número especial procuram lançar luz sobre essa e outras questões relacionadas a esse tema, indicando a necessidade de se avançar ainda mais na investigação desse complexo objeto, tanto no que se refere à sua natureza como no que diz respeito às suas diversas implicações econômicas e sociais.

A seleção das contribuições seguiu o trâmite editorial de praxe adotado nos números regulares, ou seja, os 36 trabalhos submetidos (de centros de pesquisas e universidade brasileiras e estrangeiras) foram avaliados por pareceristas anônimos (blind review). Deste total, os treze manuscritos melhor avaliados foram selecionados (dentre os quais uma resenha), cabendo destacar que, em função de limitações de espaço, excelentes contribuições não puderam ser incluídas.

 

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