Fernando Nogueira da Costa[1]

O artigo sobre “Riqueza Imobiliária”, que os alunos – Tatiana Rimoli Gzvitauski, Marcel Roberto Santos Dias, Rafael Bertazzi Costa Rosa, Daniel Herrera Pinto – e eu fomos coautores, como trabalho de avaliação no curso de Doutoramento no segundo semestre de 2016, foi o trabalho vencedor do I PRÊMIO LARES IBAPE/SP. O prêmio foi conferido na XVII Conferência Internacional da LARES 2017, onde foi apresentado. Nos tínhamos o publicado como Texto para Discussão 284 do IE-UNICAMP (TDIE).

Essa é uma experiência didática que se tem revelado frutífera. Na primeira vez, o artigo – “Economia Interdisciplinar” --, cujos coautores foram Taciana Santos, Daniel Pereira da Silva, Samir Luna de Almeida e eu, foi selecionado como o número 1 da primeira revista da UFABC. Esta Universidade, que busca fazer pesquisa na vanguarda tecnológica, queria criar uma revista para a Agência de Inovação da UFABC.

Seu editor me disse que o perfil editorial seria inovação, empreendedorismo, startups, negócios. Queria imprimir um perfil de artigos baseados mais nos modelos da complexidade e do evolucionismo. Estava procurando membros para o Conselho Editorial e artigos para o primeiro número. Solicitou-me sugestões.

Coincidentemente, na ocasião, meus alunos e eu estávamos debatendo e pretendendo publicar uma breve resenha sobre tema do curso Economia Interdisciplinar: Comportamental, Institucionalista, Evolucionária e Complexa. Enviamos e recebemos parecer nos parabenizando “pelo excelente artigo. Era exatamente o que precisávamos para o primeiro número, um artigo que mostra o perfil pretendido da revista no campo teórico. O resumo do artigo é perfeito para o foco que pretendemos. Este artigo também vai ajudar muito as nossas disciplinas ligadas à C&T".

Em resumo, achamos que o conhecimento das Ciências Sociais em geral pode ser ampliado pela exploração de métodos de análises interdisciplinares. O objetivo desse artigo é divulgar a nova fronteira teórica da Ciência Econômica que se inspira em metodologia de Outras Ciências, tanto em Ciências Humanas como Economia Comportamental (ou Psicologia Econômica), quanto em Ciências Sociais como Economia Institucionalista (ou Sociologia Econômica), e até mesmo em Ciências Naturais como Economia Evolucionária (ou Biologia Evolucionista).

Analisa também como a Economia da Complexidade (ou Engenharia da Computação Econômica) reúne esses diversos insights e escalas de análise interdisciplinares, reintegrando a partição da realidade realizada pelas diversas Ciências Afins. Uma interpretação multidisciplinar dos fenômenos macroscópicos emergentes a partir das interações entre agentes busca superar a visão anacrônica do mundo, inspirada no mecanicismo da Física newtoniana, ainda adotada por economistas desatualizados.

A hipótese adotada é que, analisando a economia como um Sistema Complexo, entendemos que as interações entre suas partes geram um resultado, chamado emergente, que não pode ser observado no nível dos agentes econômicos. Este referencial teórico é alternativo ao reducionismo da mainstream dos economistas.

A Economia Interdisciplinar observa as interações entre componentes como características de um Sistema Complexo. Sem a análise das conexões em níveis diferenciados de escala, não se pode compreender o fenômeno macrossocial. A despeito da complexidade dos fenômenos observados, é possível distinguir padrões de comportamento e lógicas de ações em casos reais na natureza e na sociedade.

Padrões coletivos heterogêneos são o objeto de estudo da Economia Comportamental e Institucionalista. Esta auto-organização dos sistemas leva à emergência de fenômenos. A partir de estudos sobre aprendizagem e evolução, a Economia Evolucionária percebe a relevância da inovação e adaptação dos agentes ao meio-ambiente mutante face às mudanças dinâmicas desses sistemas auto-organizáveis. A dependência de trajetória passa por retroalimentação, mas também está sujeita à ruptura. Exige análise em escalas diversas para apreensão de sua variação ao longo do tempo.

Usamos esse método de análise multidisciplinar ao colocar o foco em riqueza imobiliária, tema que os economistas acadêmicos não costumam abordar. Adotamos a hipótese central de que a emergência dos valores de mercado da riqueza imobiliária advém das interações ao longo do tempo entre os participantes do mercado imobiliário brasileiro: incorporadores - construtores - financiadores - investidores - compradores - locadores - locatários. Seus diversos comportamentos são moldados por lógicas de ação institucionais. A evolução dinâmica desse sistema de preços de imóveis auto organizado é o resultado das cadeias de interconexões que emergem e submergem em uma rede de relacionamentos entre seus componentes, tanto na formalidade, quanto na informalidade. A riqueza imobiliária é valorizada ou subvalorizada, periodicamente, dentro desse sistema complexo com múltiplos agentes interativos.

As Finanças Comportamentais nos inspiraram no estudo dos comportamentos dos vendedores e compradores de imóveis. Apresentamos a lógica comportamental dos investidores, que contempla a avaliação do custo de oportunidade do investimento financeiro face ao imobiliário, comparando-a com a dos moradores. Estes analisam o custo de oportunidade do aluguel face à compra. Os investidores brasileiros examinam também a alternativa do FII (Fundo de Investimento Imobiliário).

A Economia Institucional propiciou entender porque a compra de imóvel não implica somente em pagar o valor do bem. Ainda se gasta cerca de 9% do preço do imóvel só com documentação: taxas de certidões nos cartórios, preço da escritura e impostos como ITBI – Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis e/ou ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. Consideramos também pagamento de advogado, caso seja necessário o exame minucioso da validade jurídica da documentação.

O argumento neoliberal é que esse “custo cartorial”, que infla mais o preço final do imóvel, força vendedores e compradores (ou moradores) irem para a informalidade. Discutimos se a informalidade no mercado imobiliário, especialmente no caso de favelas, deve-se ao excesso desse custo cartorial ou à ausência de Estado. Para chegar ao real retorno do investimento imobiliário, calculamos o custo de intermediação imobiliária e dos gastos com vacância (IPTU, tarifas, taxas e condomínios, etc.), inclusive analisando a evolução da razão entre preço anunciado para locação e de venda do imóvel por metro quadrado.

Com Economia Evolucionária focamos a evolução do crédito imobiliário ao longo do período considerado (2008-2016), diferenciando entre o financiamento de mercado com recursos de depósitos de poupança (SBPE) e o com recursos subsidiados (FGTS) na execução da política habitacional. Verificamos se houve correlação entre financiamento habitacional e o movimento dos preços dos imóveis e se verificou-se um aumento da fragilidade financeira dos devedores. Discutimos se o resgate de depósitos de poupança reverteu o boom de financiamentos imobiliários ou se foi a inadimplência dos devedores. Os credores e os incorporadores ficaram imobilizados com a avalanche de distratos por parte de compradores-investidores que antes apostavam no ganho de capital propiciado pela manutenção da tendência de alta dos preços de imóveis.

Com a Economia da Complexidade diagnosticamos se houve, de fato, a emergência de “bolha imobiliária” no Brasil a partir de 2008. Para dar uma resposta a respeito, analisamos as tendências apresentadas pelas séries temporais disponíveis do Índice FipeZap com a evolução dos preços dos imóveis em diversas cidades brasileiras.

As considerações finais sugeriram um modelo de ciclo de preços de imóveis, inspirado em ideias de Hyman Minsky, Michael Kalecki e John Maynard Keynes, para transformar essa complexidade em simplicidade analítica. Integramos o “Modelo de 2 Preços” –ganho de capital pelo aumento do valor de mercado do existente em relação à rentabilidade esperada da produção de novo – e as três etapas defasadas entre as encomendas de imóveis novos, a produção ou a construção desses imóveis, e as entregas dessas moradias concluídas, distinguindo as fases sequenciais de recuperação, construção, expansão, recessão, retomada do crescimento.

Emolduramos o quadro com o modelo keynesiano do multiplicador-e-acelerador, onde o investimento induzido é o realizado em decorrência de aumento do mercado. Ele é destinado a atender à demanda gerada pelo aumento da renda, ocorrido no período anterior. O investimento autônomo ocorre em virtude de fatores exógenos como política pública governamental, inovação tecnológica, financiamento, “espírito animal” inato para empreender, etc. Não está relacionado a alterações prévias no nível da renda.

No caso de encolhimento de investimentos induzidos, o Estado pode atuar como regulador da demanda agregada, através de instrumentos da política econômica (monetária, fiscal, cambial e de controle de capital) ou de investimento a fundo perdido por razões sociais (política pública), suprindo a carência de gastos privados, devido às expectativas pessimistas dos empresários. No entanto, a política econômica keynesiana sofre crítica por parte dos neoliberais, pois a consideram como a principal fonte de perturbações e um fator de instabilidade. Estes economistas desatualizados ainda acreditam que os mercados sempre se autorregulam. Os ortodoxos não percebem a complexidade nas interações dos múltiplos determinantes do valor da riqueza imobiliária como queríamos demonstrar no texto premiado sobre Riqueza Imobiliária.

 

[1] Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Brasil dos Bancos” (2012) e “Bancos Públicos no Brasil” (2016). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.