Fernando Nogueira da Costa

Estamos na segunda década do século XXI e a Econofísica ortodoxa sequer chegou à Teoria da Relatividade, isto é, ao século XX. Os estudos feitos pelo físico alemão Albert Einstein definem uma relação entre o espaço e o tempo, sendo ambos de caráter relativo e não estático. O tempo não é igual para todos, podendo variar de acordo com a velocidade, a gravidade e o espaço. Logo, o espaço e o tempo não são grandezas absolutas, mas sim subjetivas.

Para os economistas mecanicistas, “para toda ação há sempre uma reação oposta de igual intensidade”. Todas as forças econômicas existem em pares: se um agente econômico exerce seu poder de mercado sobre outro agente, então, o segundo simultaneamente exerce uma força no primeiro. Em um idílico mundo idealizado sob competição perfeita, ambas forças aparentam ser iguais e opostas. Nesse caso, rigorosamente, não cabe nem o termo ação, porque não implica em movimento.

De acordo com essa Terceira Lei de Isaac Newton, a atração gravitacional entre os agentes econômicos levaria a economia de livre-mercado quase automaticamente ao equilíbrio geral caso não houver nenhuma força motora extra mercado atuante contra esse movimento. E assim permaneceria em estado de repouso ou em movimento uniforme.

Tem de manter isso, viu? Os temerosos adotam a austeridade, a parcimônia e o sacrifício social em nome da manutenção do status quo idealizado, ou melhor, favorável a eles.

O individualismo metodológico vê tudo sob o ponto de vista atomístico: um par de agentes negociam entre si. Daí, em contabilidade, o Método das Partidas Dobradas. Este é o sistema-padrão usado em empresas e outras organizações para registrar transações. Cada uma delas é registrada na forma de entrada-saída em pelo menos duas contas, nas quais o total de débitos deve ser igual ao total de créditos. As diversas variáveis são representadas por contas. Cada qual reflete um aspecto em particular do negócio como um valor monetário. Um balanço desequilibrado é horripilante.

Daí a um mundo em equilíbrio é um passo desejado, mas irrealista face ao desequilíbrio do mundo real. Pior quando economistas se tornam contabilistas fiscais!

Eles se esquecem da diferença entre os economistas e os contadores: hipótese. Os primeiros admitem uma proposição, independentemente do fato de ser verdadeira ou falsa, mas unicamente a título de um princípio a partir do qual se pode deduzir um determinado conjunto de consequências. Através da suposição ou conjectura a imaginação antecipa o conhecimento, com o fim de explicar ou prever a possível realização de um fato e deduzir-lhe as consequências.

Em vez de registrar os fatos ocorridos em determinado período em foco, como fazem os contabilistas, os economistas levantam a possibilidade de algum fenômeno sistêmico brevemente acontecer, quase independentemente de intenção individual. Seu conjunto de proposições é apresentado de forma antecipada, provisoriamente, como explicação de possíveis fatos com chances de ocorrer. A dedução racional deve ser posteriormente verificada (ou não) pela experiência real. Portanto, parte de uma vasta explicação científica, metódica e organizada, mas ainda não provada. A hipótese é levantada para se sujeitar a teste na realidade: aprovada ou reprovada.

Nem sempre um movimento (inercial ou acelerado) tem uma causa primária observável permanentemente. Observadores em movimento relativo uns aos outros vivenciam o espaço e o tempo de forma diferente. A relatividade especial se refere a não observância de simultaneidade absoluta. Esta é uma ideia de Einstein inspiradora para a análise da economia como um Sistema Complexo emergente de interações de seus componentes.

Dinâmica em Física é a parte da Mecânica com foco no estudo do comportamento dos corpos em movimento e a ação das forças resultantes ou modificadoras de seus movimentos. Em Economia, é constituída por variações ao longo do tempo e em diversos espaços ou mercados.  Embora o estímulo (ou a causa primária) possa ter deixado de existir, um movimento endógeno propiciado por outras forças interativas de mercado se torna responsável pela evolução econômica.

Um modelo de causalidade social sujeito à dependência de trajetória (path dependent) rejeita o postulado tradicional de as mesmas forças operativas gerarem sempre os mesmos resultados em todos os lugares. O efeito de tais forças será mediado por características contextuais e/ou institucionais de uma dada situação herdada do passado. A história importa. Esse conceito de dependência da trajetória é uma ferramenta analítica para se entender a importância de sequências temporais e do desenvolvimento, no tempo, de eventos e processos sociais.

Por exemplo, Keynes sugere a forma adequada para ajudar uma economia a retomar o crescimento da renda e do emprego. Seria os gastos públicos substituírem os gastos privados, inibidos por expectativas negativas em uma Grande Depressão. O conceito-chave para essa proposição keynesiana é o de multiplicador de investimento.

Ele é um tipo de multiplicador de gastos: uma variação nos gastos autônomos, isto é, independentemente da demanda corrente, induz uma variação na renda superior à variação inicial nesses gastos. Ela provoca um incremento primário sobre a renda daqueles agentes econômicos recebedores desses gastos. Estes ampliarão seu consumo de acordo com a propensão marginal a consumir, levando a nova ampliação da renda.

Os agentes beneficiados por esse incremento secundário também aumentarão seu consumo, provocando novo acréscimo de renda, e assim por diante, em uma sequência gasto público-renda-gastos privados-renda... Através dessa multiplicação, as elevações de consumo induzidas pelo gasto inicial fazem no final a renda crescer mais além da própria variação da despesa inicial.

A sequência de despesas induzidas se afasta daquela condição inicial, ou seja, o total das variações na renda será igual ao multiplicador vezes a variação primária, no caso, do gasto público. Pode-se deduzir o multiplicador de gastos autônomos ser inversamente proporcional à fração de retirada ou aplicações em outros ativos por ciclo de gastos. A cada rodada seu efeito vai diminuindo. Mas a elevação da renda propicia maior arrecadação fiscal, além de preencher a capacidade produtiva ociosa e estimular os gastos privados.

Em uma metáfora análoga ao experimento de Einstein, para um observador estacionário em determinado mercado, nesse processo de multiplicação vários gastos lampejam simultaneamente em diversos mercados. Um observador em movimento, preparando-se para a retomada, não fica passivo, observando o passado temeroso, mas sim ativo, atuando pelo futuro benéfico.

Dois referenciais diferentes permitem visões perfeitamente plausíveis, ainda que diferentes, de um mesmo efeito.

O empresário crente da pregação neoliberal em favor de teto fiscal e reforma da previdência social, antes de qualquer coisa, fica paralisado olhando o trem-da-história passar em alta velocidade. O empreendedor dotado de uma visão holística compreende os fenômenos na sua totalidade. Percebe a evolução criativa para formar um sistema distinto da mera agregação de seus componentes, sendo emergente de suas interações. Separa a velocidade da luz da do som. Age em função da iluminação com uma nova ideia antes de escutar – e desprezar – o discurso obscurantista.

Traduzindo do economês para o português: durante uma depressão não se faz ajuste fiscal nem se corta direitos sociais. Prioridade deve ser dada à retomada do crescimento da renda e do emprego, propiciada pelo gasto público substituto inicial do gasto privado, paralisado pelo discurso da austeridade fiscal. Quando a economia recuperar, os ajustes necessários serão mais fáceis e aceitáveis.

No “popular”: economia é igual à bicicleta, se não pedalar, cai. Brincando, poderia se dizer: no Brasil, se pedalar, cai também.

Evidentemente, não se pode confundir a política keynesiana com “pedalada fiscal”. Este foi o nome dado à prática do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos públicos, para melhorar artificialmente as contas públicas federais, ou seja, “prá neoliberal contabilista ver”. Foi o pretexto para golpear – e cair a Presidenta eleita. Com o golpe caímos ainda mais em uma grande depressão. Já é tempo de deixar de nos afundarmos com mais do mesmo (falso) discurso da austeridade.

*Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Brasil dos Bancos” (2012) e “Bancos Públicos no Brasil” (2016). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.. 

 

O artigo é uma opinião pessoal do autor.