Ivette Luna, Elias Youssef Haddad Netto, Paulo Ricardo da Silva Oliveira
A crescente disponibilidade de dados longitudinais no nível das firmas tem possibilitado uma série de avanços para o tratamento de questões microeconômicas, sobretudo no campo da microeconomia evolucionária. No Brasil, os dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA-IBGE) e da Pesquisa de Inovação (PINTEC – IBGE), intensificaram a realização de estudos empíricos sobre a indústria nacional que acompanham a fronteira das pesquisas internacionais, bem como o tratamento de novas questões, revelando e corroborando uma série de características da dinâmica industrial e da sua estrutura produtiva e organizacional, assim como os possíveis impactos no desenvolvimento econômico2. Estes estudos têm diferentes bases teóricas e nem sempre atingem consenso sobre os resultados e conclusões encontradas de forma empírica (De Negri e Cavalcante, 2013).
Dentre tais pesquisas, este trabalho destaca aquelas desenvolvidas no âmbito do arcabouço teórico evolucionário, que se fundamentam no levantamento rigoroso e robusto de evidências estatísticas que permitem melhor compreensão sobre as características e determinantes da dinâmica industrial (Catela, Cimoli e Porcile, 2015). A dinâmica industrial se dá sob constante mudança tecnológica, como pode ser observado a partir de uma série de padrões e indicadores, os quais são afetados pela própria dinâmica tecnológica (Dosi et al., 2008).
A literatura empírica, nesta frente de pesquisa, é vasta. Dentre as evidências coletadas, destaca-se a ubiquidade da heterogeneidade das firmas em termos de produtividade, tamanho, receita, lucro, dentre outros, independente do nível de agregação, de especificidades setoriais, períodos e recortes geográficos (Bartelsman e Doms, 2000; Syverson, 2011). Estes estudos destacam a natureza persistente e assimétrica dos indicadores citados e suas taxas de variação no tempo (Bottazzi et al., 2011; Bottazzi, Cefis e Dosi, 2002b; Dosi, 2005). A persistência é observada também em outras dimensões que caracterizam as firmas. Os trabalhos desenvolvidos por Cefis (2003) e Triguero e Córcoles (2013), por exemplo, mostram a persistência dos padrões de inovação no Reino Unido e Espanha, respetivamente.
Dosi et al. (2016) também apontam para a heterogeneidade das variáveis de desempenho das firmas e a assimetria das distribuições empíricas e distribuições com caldas pesadas para as taxas de crescimento. Destacam ainda, a persistência da turbulência nos mercados.
Por trás da heterogeneidade se observa a persistência nas posições relativas das firmas ao longo do tempo em termos de produtividade, receita, valor adicionado e outras variáveis que resultam de suas características intrínsecas. Evidentemente, taxas de crescimento que não persistem no tempo inviabilizam grandes mudanças na posição relativa das firmas. A persistência da heterogeneidade da firma no tempo desafia o pressuposto da racionalidade dos agentes maximizadores num contexto de informações perfeita e tecnologia como um bem público, necessárias para que o mercado seja um bom mecanismo de seleção das firmas mais eficientes (Dosi et al., 2012). Este fato estilizado se confirma, sobretudo, em trabalhos importantes como Foster, Haltiwanger e Syverson (2008), Syverson (2011), Bartelsman e Dhrymes (1998), dentre outros.
Em relação às taxas de crescimento, seja das receitas, produtividades ou valores adicionados, tem-se verificado, ainda, que grandes episódios de crescimento ou contração são relativamente incomuns. De forma mais técnica, a distribuição do crescimento tem apresentado caldas relativamente longas para todos os setores industriais (Bottazzi et al., 2007; Dosi, 2005). Neste sentido, o catching-up e a destruição criadora schumpeteriana, parecem fenômenos incomuns a partir desta perspectiva (Dosi et al., 2012).
Por outro lado, a despeito da persistência da posição relativa das firmas, pode-se observar relevante turbulência nos mercados, através de fenômenos de entrada e saída e mudanças de parcelas de mercado (ver Baldwin e Rafiquzzaman, 1995; Bartelsman e Doms, 2000). Algumas análises apontam que entre 20%-40% dos entrantes saem do mercado nos dois primeiros anos de atividade, e somente 40-50% sobrevivem mais de sete anos dado alguns contextos (Dosi, Pereira e Virgillito, 2016).
Alguns estudos, como o de Coad, Segarra e Teruel (2013) para firmas na Espanha, revelam que ao se controlar pela idade, a distribuição de tamanho das firmas pode se tornar menos assimétrica no tempo. Ou seja, embora firmas mais experientes geralmente detenham maiores parcelas de mercado e níveis superiores de receita e produtividade, a diminuição da assimetria é reflexo de menos variabilidade nas de taxas de crescimento, de lucratividade e de produtividade.
Evidências empíricas também mostram que a variabilidade nas taxas de crescimento diminuem de forma inversamente proporcional ao tamanho das firmas – a chamada Lei de Escala (Scaling Law), embora no caso italiano esta relação não se observe nem mesmo para dados setoriais agregados a dois dígitos da ISIC (Bottazzi, Cefis e Dosi, 2002).
Estudos com matrizes de transição também apontam para a persistência da posição relativa das firmas e a não persistência das taxas de crescimento (Dosi et al., 2012; Dosi, Pereira e Virgillito, 2016; Eric J. Bartelsman, 1998; Mathew, 2017).
Este artigo visa contribuir com a caracterização da dinâmica industrial brasileira por meio da utilização de instrumentos não paramétricos de análise. Considera-se, explicitamente, que as firmas estão sujeitas a pressões adaptativas em resposta ao processo de seleção. De forma mais específica, o artigo busca identificar regularidades associadas aos fatos estilizados descritos através de medidas setoriais agregadas e matrizes de transição para as firmas de setores considerados da indústria de manufatura brasileira. A partir da literatura que fundamenta este trabalho, busca-se lançar luz, sobretudo, sobre as seguintes questões: 1) A heterogeneidade das firmas, bem como a assimetria da distribuição quando consideradas variáveis de desempenho das firmas dos diversos setores, são verificadas para o caso Brasileiro? 2) Há mudanças significativas na estrutura da manufatura, em relação aos níveis e às taxas de variação das variáveis de desempenho das firmas? 3) Existe persistência no tempo da posição relativa das firmas de um mesmo setor em relação aos níveis e taxas de variação das variáveis de desempenho?
A resposta a essas perguntas leva a um conhecimento mais aprofundado da estrutura produtiva nacional, e contribui para uma melhor compreensão dos determinantes da dinâmica industrial. Evidências adicionais sobre tais determinantes podem dar suporte ao processo detomada de decisão dos formuladores de políticas, ja que explicitam processos de longo prazo, aparentemente atrelados a certa morfologia das firmas.
Este artigo está dividido em mais 3 seções além desta introdução. A seção 2 descreve o apresenta a metodologia e o banco de dados. A seção 3 traz os resultados. A secção 4, por fim, conclui o artigo.
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* - Este artigo reflete as opiniões pessoais dos autores.