Fernando Nogueira da Costa[1]

No meu curso de graduação, na FACE-UFMG, eu já criticava o método didático puramente expositivo adotado por professores. Quando tomei conhecimento do Método Paulo Freire, tive maior consciência a respeito do método “bancário”, aquele que faz depósitos na mente do aluno para ele tentar sacar nas provas de memorização. O educador Paulo Freire desenvolveu um método para a alfabetização de adultos que alfabetizou 300 cortadores de cana-de-açúcar em apenas 45 dias. O processo educativo se deu em apenas quarenta horas de aula e sem cartilha.

Freire criticava o sistema tradicional de alfabetização, o qual utilizava a cartilha como ferramenta central da didática para o ensino da leitura e da escrita. As cartilhas ensinavam pelo método da repetição de palavras soltas ou de frases criadas de forma forçosa ou fonética, por exemplo, “Ivo (ou Eva) viu a uva”.

As etapas do Método Paulo Freire são três: primeira, investigação, é a busca conjunta do professor e do aluno das palavras e temas mais significativos da vida do aluno, dentro de seu universo vocabular e da comunidade onde ele vive. Segunda, tematização: é o momento da tomada de consciência do mundo, através da análise dos significados sociais dos temas e palavras. Finalmente, problematização: etapa em que o professor desafia e inspira o aluno a superar a visão acrítica do mundo, adotando uma postura consciente frente a ele.

Na minha primeira experiência docente, no primeiro semestre do meu curso de Mestrado, fui como professor-convidado a Poços de Caldas. O sucesso foi tão grande junto aos alunos rebeldes e o fracasso tão retumbante junto aos conservadores que fui logo convidado a nunca mais voltar à Poços de Caldas!

Porém, “o brasileiro é persistente”, nunca desiste de enfrentar o conservadorismo. Quando virei, anos depois, professor universitário no IE-UNICAMP, fui logo convidado a ser meu próprio professor e de meus colegas de Economia Monetária e Financeira, no doutorado no segundo semestre de 1985. O Professor Belluzzo tinha sido convidado a assumir o cargo de Secretário de Política Econômica no Ministério da Fazenda e não poderia prosseguir depois de dar a primeira aula. O coordenador alegou que eu, recém-contratado, era o único que “entendia de banco”, já que minha dissertação de mestrado era sobre o assunto e tinha recebido menção honrosa no Prêmio BNDES. Então, virei professor de mim mesmo. Naturalmente, eu me aprovei... E me tornei um autodidata.

Mais recentemente tive a oportunidade de dar uma auréola de “boa prática” nesse método de autodidatismo. O modelo de aprendizado com o nome 70:20:10 defende que a maior parte do aprendizado de uma pessoa — a que acontece em 70% do tempo — deve ocorrer na prática e/ou por conta própria. Em 20% do tempo restante, ela acontece por meio da troca de experiências com os outros, ou seja, aprendizagem com os pares (colegas). Só na menor parte do tempo, 10%, deve se dar por meio do ensino formal, com instrutores ou professores.

O argumento dessa abordagem é que os seres humanos são “máquinas de esquecer”. O “cone da aprendizagem”, partindo do topo estreito para a base larga, indica que uma atitude passiva conduz à menor retenção. Depois de duas semanas, adultos costumam lembrar apenas 10% do que escutam, 20% do que leem, 30% do que veem, 50% do que veem e escutam. Com uma participação ativa, há maior retenção: 70% do que falam e 90% do que falam e fazem. Daí a moda de PBL: aprendizagem com resolução de problemas práticos, ou seja, simular a experiência profissional real sob orientações do professor.

A natureza do cérebro humano faz com que ele só retenha informações aprendidas no contexto em que elas serão usadas. Por isso, o modelo também é conhecido como a abordagem dos “3 Es”, designando Experiência, Exposição e Educação. Nós aprendemos quando temos experiências desafiadoras, a oportunidade de praticar, conversas criativas e tempo para refletir. Cabe ao professor criar esse ambiente estimulante, orientar e desafiar, intelectualmente, os alunos.

Por exemplo, nunca cobrei memorização dos meus alunos, mas sim entendimento. Quando dava aulas de Macroeconomia Aberta, eu os levava ao quadro para eles usarem giz para desenhar em frente da turma alguns dos dezesseis gráficos do modelo IS-LM-BP. Mas os ajudando a pensar, virava um jogo em que o estudante aprendia a falar em público e saber o que estava fazendo. Fazia seminários sobre problemas conjunturais para eles aprenderem baixar o nível de abstração da teoria pura para decisões práticas, reincorporando o antes abstraído, isto é, os conflitos de interesses, a política como ações coletivas, a psicologia de massa, as instituições específicas do País, etc.

Prova sem consulta nunca dei. Ora, que profissional escreve sem consulta? Como sempre perguntei sobre o que eu não sabia, senão não faria sentido eu perguntar, pedia me apresentarem soluções para problemas concretos. Os alunos tinham de raciocinar. Eles não obtinham resposta pronta nos livros e/ou textos que levavam para as “provas”.

Outra inovação inesquecível foi o uso do método strip-tease em slides. Era o uso no retroprojetor de partes cobertas-e-descobertas sobre os temas de aula. Logo que surgiu passei adotar o PowerPoint de forma dinâmica, com links e zooms, entre outros efeitos.

Com computador e Datashow em sala-de-aula, na (já longa) fase de minha pré-aposentadoria, passei a ministrar o curso “Economia no Cinema” com mais algumas inovações, tanto temáticas (além dos países maduros e dos emergentes, Itália, Japão, África, Oriente Médio, Islamismo, Terrorismo, Economia do Petróleo, etc.), quanto metodológicas. Usei palestras da TED, estudo dos alunos prévio à aula, método socrático de perguntar para instigar as respostas, debates coletivos imediatos sobre o conteúdo da apresentação audiovisual, etc. Dei cursos tanto sobre Desenvolvimento Mundial ou Grandes Eras da História da Humanidade quanto com documentários brasileiros para motivar o debate de políticas públicas para enfrentar os problemas apresentados.

No primeiro semestre do ano corrente, dei um curso sobre Brasil em que 2/3 foram uma releitura da história brasileira através das castas hegemônicas em cada fase, com uso de dramas e documentários. Em 1/3, usando cinebiografias como motivação, foi pesquisa sobre os temas econômicos na música popular brasileira em seus diversos gêneros.

Na aprendizagem ativa, o aluno não deve ser meramente um “recebedor” de informações – em que a palavra escrita lida supera largamente a oral escutada. Ele deve se engajar de maneira ativa na aquisição do conhecimento, focando seus objetivos e indo atrás do conhecimento de maneira proativa. Professor é só 10% – e isto não é propina porque ele ganha pouco...

Cabe ao professor focar na orientação bibliográfica e em elaboração de perguntas, tarefas, exercícios, projetos ou desafios. Tudo isso motiva os alunos a pesquisar o conhecimento necessário para atingir esses objetivos.

Recentemente, tive outra experiência didática que aponta novos caminhos na chamada Educação à Distância (EaD). Esta não é uma gravação estática com uma única câmara focalizando só um professor falando em uma aula ou uma conferência durante horas. Quem assiste a isso?! A geração AV (audiovisual)?! A geração nativa digital necessita de mais estímulo mental, pois seus cérebros são ágeis o suficiente para se caracterizar como Y, isto é, ter 2 neurônio(s), dedicando cada qual a um assunto ao mesmo tempo!

Gravei dez aulas sobre bancos públicos inicialmente preparadas para durar quinze minutos cada qual. Fui a São Paulo, em três dias inteiros, para as gravar com empresa produtora de vídeo profissional. Lá chegando o diretor de cena logo me disse que quanto mais breves fossem, mais audiência atenta eu teria. Em outras palavras, eu teria de disputar a atenção de gente acostumada a zapear entre programas de TV com controle remoto e/ou com mouse entre sites ou vídeos do YouTube. Enfim, nos primeiros trinta segundos, ou eu agarrava os interesses deles, “os alunos”, apelando para não me abandonarem, ou eu os despedia!

É simples assim: basta ter empatia com o público-alvo. Você o desconhece, individualmente, mas tem que falar diretamente para cada indivíduo, tipo olho-no-olho. Logo, não pode nem ler slides projetados, nem esquemas escritos em sua péssima caligrafia. Tem sim de olhar diretamente para a câmara e se amparar em gestos manuais – falando de memória ou usando outros recursos didáticos. Nesses recursos, inseridos a posteriori, está a magia do cinema: você grava de maneira intermitente, mas depois da montagem vê tudo fluente e continuamente! Torna-se uma maravilha a memória de um velho professor!

Dizer que algo é intermitente significa dizer que essa coisa cessa e recomeça por intervalos. Ela se manifesta com intermitências, não é contínua, tem interrupções, por exemplo, quando há barulho de avião, cachorro latindo, motocicleta ou caminhão passando na rua, etc., se interrompe a gravação e repete (quase tudo) de novo. Sim, porque não se grava em estúdio, mas sim em casas particulares para criar um cenário mais realista – e não tão caro caso o fosse montar em estúdio e pagar por isso.

Como intermitente é a característica de algo que não é permanente, o seu antônimo é “contínuo” ou “continuamente”. Logo, a maravilha do resultado audiovisual é que você, professor profissional, tem a capacidade de, em poucos minutos, resumir e sintetizar tudo que aprendeu em anos de aprendizagem ou horas-bunda na cadeira – e entregar essa motivação para a nova geração estudar! Sai da frente que atrás vem gente!

 

[1] Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “Brasil dos Bancos” (2012) e “Bancos Públicos no Brasil” (2016). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/ E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.