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Autor: Claudio Salvadori Dedecca
As mudanças ocorridas nas duas últimas décadas, tanto na esfera do mercado de trabalho como no interior das empresas, nos processos de trabalho, vêm sendo objeto de uma profusa “literatura de aeroporto”, talvez superada apenas – e não por acaso – pelos livros de auto-ajuda. Apesar do tratamento superficial que esta literatura dedica às transformações no mundo do trabalho, ela constitui um poderoso canal de divulgação do pensamento autoritário, ou “único”, como vem sendo chamado, e tem servido de base ideológica para a formulação das propostas de reformas trabalhistas.

Daí a importância de livros como este, em que Claudio Dedecca, na melhor tradição de pesquisa em Economia, insere no devido contexto a nova (ou velha?) racionalidade que rege, de novo, o uso do trabalho como se fosse uma mercadoria como as outras.

Dedecca parte do exame de como a economia capitalista, ao ser submetida a turbulências e incertezas, e ao se deparar com novas formas de concorrência internacional, vai subverter progressivamente, em nome da competitividade, as normas emanadas dos sistemas de relações de trabalho que se consolidavam nas décadas do pós-guerra. O objeto deste livro é o estudo minucioso das conexões macro e microeconômicas envolvidas neste processo de desmonte das instituições trabalhistas.

Os sistemas de relações de trabalho, na concepção clássica de Dunlop, dependem da articulação entre Estado, management e sindicatos de trabalhadores. O que estamos assistindo é o retraimento do Estado e o enfraquecimento dos sindicatos em favor do poder das empresas. Em conseqüência, as negociações coletivas mais centralizadas perdem importância e a ameaça de desemprego retorna como a principal força disciplinadora da mão-de-obra.

Entre as várias mistificações que o tratamento vulgar do “novo” paradigma divulga, duas sobressaem: uma é a ênfase posta no investimento em educação como condição para que todos possam usufruir das múltiplas oportunidades abertas pela nova ordem, e a outra, a de que a rigidez das normas de proteção social impedem que aquelas oportunidades sejam plenamente aproveitadas. Na prática, no entanto, a flexibilização das relações de trabalho tem significado, principalmente, maior facilidade para demitir e mais contratações a título precário. Não obstante, Dedecca vai nos mostrar que “a autonomia na gestão do trabalho conseguida pelas empresas ... não vem constituindo garantia de ganhos sistemáticos de produtividade. As evidências não permitem associar menor grau de sindicalização, negociação descentralizada e melhor rendimento da empresa. Apesar de ser incontestável a melhora da performance microeconômica obtida pela reorganização produtiva das empresas, não é possível explicá-la pela ausência de regulação social”.

No caso da Educação, cabe destacar uma curiosidade. Estudos econométricos recentes revelam uma associação negativa entre a maior escolaridade da força de trabalho e a evolução da produtividade. As explicações para um achado tão bizarro como este parecem girar basicamente em torno das seguintes. Em primeiro lugar, a constatação já feita há mais de vinte anos por Lester Thurow, entre outros, de que a escolaridade é parâmetro importante para estabelecer as hierarquias salariais mesmo quando não impacte diretamente a produtividade. Segundo, que um rápido aumento da oferta de mão-de-obra mais educada, em condições de crescimento medíocre, principalmente em economias de baixo dinamismo em capacitação tecnológica, resulta em queda nos retornos globais da educação. Terceiro, que os trabalhadores de maior escolaridade podem estar sendo absorvidos em atividades cuja expansão pouco, ou nada, contribuem para o aumento da produtividade sistêmica.

Obviamente que não se conclui daí ser a educação irrelevante ou mesmo prejudicial ao crescimento econômico, mas sim que este resulta da conjunção complexa de muitos fatores e que a educação, isoladamente, a despeito de seus méritos intrínsecos, não constitui qualquer panacéia para o desenvolvimento.

Tais considerações são altamente pertinentes para o caso brasileiro, como o leitor verá neste livro.

As mudanças nas relações de trabalho que podemos considerar positivas, como maior autonomia, independência e um mercado ampliado para habilidades intelectuais, tendem a ocorrer nos países que são líderes na inovação, quer dizer, países que desenvolvem novos produtos desde a estaca zero: pesquisa, pré-projeto, desenvolvimento, estudos de viabilidade, produção, etc. Já em países como o nosso, que apenas produzem, quando o fazem, não se abrem estas novas fronteiras de ocupação.

Se nos países centrais, que tendem a desenvolver o ciclo completo dos produtos, vemos hoje aumentar as desigualdades e a precarização do trabalho, pelo menos abrem-se, também, ainda que de forma restrita, boas oportunidades de empregos técnicos e gerenciais no topo da hierarquia das empresas. Já aqui, o que vemos é o encolhimento dos bons empregos, inclusive dos postos de trabalho para técnicos.

Nas circunstâncias atuais, de crescente dependência tecnológica e estagnação econômica, as reformas trabalhistas pretendidas irão apenas reafirmar a tendência a nos inserirmos no capitalismo globalizado através da oferta abundante de mão-de-obra barata.

Claudio Salm
Do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro