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Autor: Walter Belik
A modernização da agricultura brasileira, que teve início no pós-guerra, permitiu que os segmentos da indústria assumissem definitivamente a dinâmica de crescimento e acumulação no campo. Paulatinamente, as atividades agropecuárias foram sendo capturadas pela utilização compulsória de equipamentos, insumos químicos e padronização da oferta para a comercialização ou processamento. A ocupação de porções cada vez maiores do processo de produção agrícola garantiu o padrão urbano de acumulação no Brasil, assim como em outras economias capitalistas.

Impulsionado pela modernização, o campo brasileiro sofreu uma enorme transformação neste último meio século. Ironicamente, com a agricultura modernizada, o Brasil deixou de ser um país agrícola. Hoje apenas uma parte menor da renda e do emprego brasileiro é gerada no campo. O país se urbanizou e se industrializou criando riqueza ao mesmo tempo em que deixava mazelas. Olhando retrospectivamente, podemos afirmar que a modernização da agricultura, assim como a nossa industrialização, foi uma etapa impulsionada a partir da condução de políticas públicas e metas definidas.

Muito embora a atividade agropecuária seja definida por uma série de funções que têm como base a transformação primária de plantas e animais em matérias-primas e produtos finais de consumo, não podemos mais encarar esta esfera produtiva de forma limitada. Muitas das atividades de processamento e comercialização que eram no passado conduzidas pelos capitais rurais foram desmembradas e passaram a ser controladas por novos agentes especializados. Da mesma forma, as políticas públicas para a agricultura, que antes eram localizadas e concentradas, também foram obrigadas a mudar. Caracterizando uma nova fase, estas políticas passaram a se dar de forma dispersa incidindo ora sobre atividades industriais ora sobre a comercialização.

Transformações de ordem tecnológica e institucional tiveram uma enorme influência nos rumos da agropecuária brasileira. Mudanças organizacionais importantes ocorridas nas atividades de processamento e de distribuição impactaram diretamente sobre a forma de produzir, decisões de preços e investimentos no campo. Da mesma forma, a crise fiscal do Estado e a rápida abertura comercial colocaram certos segmentos da agricultura como reféns da indústria e comércio.

Para os segmentos mais organizados, que haviam logrado um consenso entre os diversos agentes, seja em função da maior concentração de capitais ou seja devido a características específicas dos seus produtos, o impacto deste novo ambiente competitivo foi mais reduzido. Nesses casos, novas formas de governança na cadeia produtiva garantiram um rearranjo setorial quase que imediato com a redefinição de preços e repactuação de margens ao longo da cadeia produtiva.

Para entendermos a dinâmica da agricultura neste final de milênio é importante ir muito além da porteira. É preciso analisar a indústria processadora ou, mais adiante, o atacado, varejo, ou sistemas de abastecimento de alimentos. Considerando-se que o Estado ainda tem um enorme papel a cumprir em um país com tantas diferenças sociais e com tantas dificuldades típicas do subdesenvolvimento, as novas políticas públicas precisam estar alertas para estas mudanças.

O objetivo desse livro é o de analisar os efeitos deste novo quadro institucional sobre a cadeia de produção de alimentos. Pretendemos demonstrar que as formas de funcionamento do mercado estão cada vez mais distantes do mercado, tal qual definido pelos economistas neoclássicos, embora o discurso das políticas públicas nos últimos anos tenha sido “dar um maior realismo de mercado” ao setor agropecuário.

Seguindo uma seqüência lógica, o livro está dividido em duas partes bem marcadas e encadeadas: uma análise do segmento da indústria de alimentos e um estudo sobre as novas formas de distribuição de hortifrutigranjeiros. Na parte relativa à produção de alimentos, procuramos reunir materiais que estavam esparsos e que tratavam da concentração e mudanças na forma de atuação de uma ampla gama de segmentos da indústria. Já no capítulo referente à distribuição, aprofundamos a análise sobre o papel dos supermercados e novos sistemas de abastecimento de gêneros alimentícios.

Evidentemente não temos a pretensão de dar conta de todas as interfaces da agropecuária com os elos a jusante da cadeia alimentar. Por este motivo, há poucas referências quanto ao comércio internacional de produtos agrícolas. Da mesma forma não aprofundamos questões que dizem respeito a armazenagem, estoques reguladores e outros elementos que são fundamentais em um novo desenho de intervenção e direcionamento de políticas agrícolas. Este trabalho apenas apresenta pistas e indicações que, acreditamos, podem se transformar em pontos de referência para uma nova reflexão sobre os caminhos da nossa economia agrícola.

A distribuição dos capítulos do livro obedece à preocupação formulada acima. No primeiro capítulo fazemos uma rápida revisão teórica e apontamos algumas conclusões importantes sobre as novas abordagens que estão sendo utilizadas para a análise das formas de coordenação das cadeias agroindustriais.

No segundo capítulo realizamos uma discussão sobre o conceito de reestruturação industrial, analisamos o caso da indústria de alimentos no Brasil e as novas tendências em direção à concentração e à expansão regional.

No terceiro capítulo, a discussão vai focar-se na distribuição de alimentos. Após uma breve discussão teórica, discorremos sobre as mudanças nas formas de intervenção pública no abastecimento. Com a emergência dos supermercados e com o crescimento do seu poder de negociação junto à indústria e à agricultura, as formas de organização da distribuição estão se alterando rapidamente. O texto retoma esta discussão apresentando limites e possibilidades para a intervenção pública e regulação na distribuição de alimentos. Finalmente, no último capítulo, apresentamos algumas conclusões e recomendações de linhas de pesquisa sobre o assunto.