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Autor:
Carlos Lessa
O fio condutor deste trabalho é o II PND. Sua primeira parte consiste na apresentação da Estratégia de Desenvolvimento adotada em 1974 pela administração Geisel, com o objetivo explícito de atualizar as potencialidades da Nação presidindo seu último salto para o ingresso definitivo no reduzido elenco de economias desenvolvidas. Esta parte, além do esforço por organizar a descrição das principais diretivas e respectivas interarticulações prescritas na Estratégia, procura recuperar os elementos em que, segundo nossa interpretação, se fundou a avaliação de viabilidade da proposta por parte de seus formuladores.

A segunda parte do trabalho procura apresentar as principais medidas político-econômicas acionadas entre 1974 e 1976 diretamente inspiradas nas diretivas centrais da Estratégia. No período foi acionado um elenco de medidas que, tendo como matriz inspiradora aquela Estratégia, buscou conformar a mudança qualitativa no Padrão de Industrialização e na Organização Industrial da economia brasileira requerida para o ge~ato maior. O movimento de reflexão nesta segunda parte se inicia pela identificação das medidas segundo a diretiva inspiradora e prossegue em uma tentativa de exame de sua consistência com a estrutura e o movimento de nossa economia.
externas - é por si reveladora das tensões a que estão submetidas aquelas articulações. Tais tensões emergem naturalmente na medida em que se restringe o espaço' em que se move a política econômica. Além disso, coincide nesse período a implementação de uma Estratégia que olimpicamente desconsidera aquelas articulações. Uma Estratégia que perseguiu seu redesenho segundo um modelo de referência ideal e fundada em pouco mais que a própria vontade de seus formuladores.

Qualquer reversão cíclica amplia os atritos entre os blocos de interesses que encontram dificuldades de se recompor em um espaço de acumulação temporariamente restringido. Num prenúncio da recomposição que presidirá a futura retomada da expansão, nessa fase de enfrentamento é natural a explicitação de posições político-econômicas que desvelam - através de críticas lançadas em múltiplas direções - as fissuras nas articulações.

Entretanto a firmeza com que foi perseguida a implementação de uma Estratégia meramente voluntarista provocou ou exacerbou quebraduras devido ao atrito das medidas aplicadas sob sua égide com os blocos de interesse de peso na economia. A tomada de consciência das quebraduras levou sucessivas frações empresariais à percepção - ainda que parcial e freqüentemente ambígüa - do arbítrio. No ar deste 1974, tais percepções se vertem e são encadernadas pelo lema da Estatização. Elas são os mil e um afluentes formadores de um processo de questionamento crescente do autoritarismo. São também os condutos alimentadores de uma metamorfose. Por aí, e ao longo das peripécias táticas da política econômica, a crise econômica começa a se converter em crise política.

Crise política hoje aparentemente maior que a econômica, à luz dos indicadores de desempenho macroeconômico. Processo gerador de uma crise política e econômica ampliada, que, como sabemos, ainda está por vir a resolver-se.

Creio que o acompanhamento do II PND permite ordenar a história do descolamento do Estado de suas bases de sustentação na economia e na sociedade identificando algumas das específicas articulações político-econômicas que têm presidido o desenvolvimento recente da economia brasileira. São estes os propósitos e os limites analíticos deste trabalho.

Estou cônscio das inconveniências da escolha de um período do qual a poeira da história não começou sequer a assentar. Entretanto, e pesados todos os riscos, a opção por este trabalho responde a uma convicção moral.

O país se acostumou nestes tristes anos a ver o economista como o Técnico que, sentado ao lado do Poder, arbitrou sobre seu cotidiano e seus destinos. Um fraco saber apareceu com arrogância como portador de uma ciência de "fazer história." Em oposição aos economistas oficiais a contra-elite profissional alinhou modelos alternativos. Houve uma subsunção indevida das questões econômicas que pertencem ao todo social pelo nível técnico.

Os grupos sociais sabem de seus interesses e problemas e considero inteiramente legítimos seus inevitáveis conflitos e composições.

O culto à ciência econômica não pode hipostasiar o legítimo processo político-social. Ao economista cabe aportar, ao adiado e mais que nunca necessário debate político, subsídios da reflexão que fazemos - com angústia e perplexidade - sobre nosso objeto de conhecimento, que outro não é senão a história sendo feita por aqueles atores. A tal obrigação tenta responder este trabalho.

Não poderia deixar de registrar meus agradecimentos. Aos amigos Eduardo Augusto de Almeida Guimarães, João Manuel Cardoso de Mello, Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, Luis Otávio Figueiredo Façanha e Sergio Goes de Paula, pela paciente leitura dos originais. Suas observações em muito me ajudaram e as imprecisões e os problemas de interpretação respondem a minha teimosia e limitações. A três pessoas quero reiterar meu muito obrigado: a Ronando Aguinaga, pelo magnífico apoio na pesquisa documental; a Sergio Goes de Paula, pela primorosa revisão; e a Elizabeth de Sousa Maciel, pelo paciente trabalho datilográfico. Maria da Conceição Tavares, minha irmã, amiga e companheira intelectual de tantos anos de debate, sabe que não existem palavras para minha gratidão.

Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 1978.